Você teve a oportunidade de assistir ao filme ‘Terra Estrangeira’, do Walter Salles e da Daniella Thomas? Ele dá conta de algumas dimensões subjetivas quando vivemos em terra estrangeira. Caso não tenha visto, sinta o clima neste trailer. Caso tenha assistido, veja se você gosta também do recorte que foi dado, eu achei bem bom.
Um pouco de contexto, ainda, pensando em quem não assistiu ao filme. Pedi uma ajudinha pra tIA (como passei a chamar a minha IA mais próxima e de estimação):
"Terra Estrangeira" é um filme brasileiro lançado em 1995, dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas. A obra é um marco do cinema nacional dos anos 1990, destacando-se por sua estética em preto e branco, seu tom melancólico e sua abordagem poética da migração, da perda e do sentimento de não pertencimento.
Ambientado em um Brasil recém afetado pelo confisco da poupança durante o governo Collor, o filme acompanha Paco, um jovem paulista que, após a morte da mãe, decide tentar a vida em Portugal. Lá, ele cruza o caminho de Alex, uma brasileira envolvida com o submundo de Lisboa. Juntos, os dois embarcam em uma jornada de fuga, conexão e reconstrução.
Terra Estrangeira é uma reflexão sobre identidade, exílio e a busca por um lugar no mundo — temas universais que o tornam atual até hoje. Com trilha sonora marcante e uma linguagem visual que remete ao cinema europeu, o filme consolidou Walter Salles como um dos principais nomes do cinema brasileiro contemporâneo.
As personagens deste filme são interessantemente incompletas, complexas e românticas. Elas idealizam, fantasiam, deliram, e com isso, surtam. Eu quase nem gosto delas, talvez por serem espelho? Janela? Vidro, com certeza.
As falas e atitudes das personagens são viscerais e, por muitas vezes, imprevisíveis, assim como a vida estrangeira, e por isso este filme é tão bom. Quantos equívocos reunidos numa só festa. Dores e delícias de bancar o próprio desejo.
Equívocos, delírios, imaginação. Uma espécie de ingenuidade associada à inconsequência, bravura, falta de noção e, talvez, um letramento político insuficiente.
Quem nunca, não é mesmo? Olho para trás e lembro de verdadeiras a-tro-ci-da-des ditas por mim sobre viver fora do Brasil. Sinto vergonha, mas passo pano úmido descartável com cheirinho de limão que vende na gringa por módicos dinheiros. Eu não sabia. As personagens do filme não sabiam. Não tem como saber.
O filme se passa na ponte Brasil (o de São Paulo) e Portugal. Calculem. O ranço colonial, toda a bagaceira lusitana (e do norte global) estão por lá, assombrando a vida dos que nasceram onde os ventos movem moinhos.
Embora o tempo seja uma questão objetiva e subjetiva ao mesmo tempo, a passagem dele seja, talvez, a única questão no singular. É uma só, a passagem. É o tempo comum onde tudo está meio (des)sincronizado e (des)nivelado, na passagem. Talvez um tempo material, contado.
Mas existem outros tempos, o da memória, o do coração, o do corpo. Nem sempre eles estão em sintonia, não é automático, nem fácil viver em alinhamento astral entre eles.
As outras questões estão todas no plural, reparou? Elas são múltiplas, não seguem uma ordem nem respeitam lógicas, mas têm ritmo, os das relações. As frustrações, os deslumbramentos, os achados, os perdidos, os intrometidos, as ausências, as disponibilidades, as parcerias, as possibilidades, e seguem, no plural, sempre.
Sentimos diferentes. Não somos todos iguais. Não deveríamos querer ser todos iguais. Não acreditem quando dizem que somos todos iguais, não somos. Para um tipo de existência ser o único possível ou desejado, os outros precisam ser aniquilados. Isso não faz sentido e não é possível. Então, aceitemos que somos diferentes. Dói menos.
Julgar e classificar são condições humanas, não sei se é possível viver sem esses verbos. Daí, vem o comparar. Outro verbozinho danado e presente. Impossível viver sem comparar, confere? A gente faz isso o tempo todo e, justamente por isso, precisamos, volta e meia, entender algumas das motivações que nos levaram a viver ‘fora’ (que em si já é uma construção interessante, ‘quem vive fora não vive dentro’, mas isso fica para outro dia).
A escolha de migrar é sempre uma equação complexa
Nenhum desses fatores age isoladamente: geralmente, a decisão de sair do país é resultado da combinação de diversos elementos, como economia, política e qualidade de vida. A percepção de oportunidade também varia, para alguns, a migração é uma chance de crescimento, para outros, é uma necessidade urgente. O filme ilustra bem como a migração pode ser tanto um ato de desespero quanto um impulso para a construção de uma nova vida.
O trabalho e o poder de compra como motores
Desemprego ou salários desvalorizados geram ondas migratórias significativas. No Brasil, por exemplo, e mais recentemente, a crise econômica de 2015-2016 intensificou a saída de profissionais para Portugal, Canadá e EUA. Mesmo que um trabalho no exterior pague um salário considerado “baixo” no país de destino, muitas vezes ele tem um poder de compra muito maior do que o equivalente no país de origem.
A busca por validação profissional ou qualificação é comum. Alguns migrantes são motivados pela possibilidade de exercer sua profissão em mercados mais valorizados ou de estudar em universidades renomadas para aumentar suas chances no mercado de trabalho no próprio país, muitas vezes.
Instabilidade e insegurança política
Crises políticas e falta de perspectiva. Regimes instáveis, corrupção e falta de planejamento governamental fazem com que pessoas busquem países onde sintam mais segurança e previsibilidade para suas vidas. Ameaça a direitos civis e liberdades individuais. Pessoas pertencentes a minorias políticas, como jornalistas perseguidos, ativistas e membros da comunidade LGBTQIA+, frequentemente migram para países onde há mais proteção legal.
Insegurança pública e violência. O medo da violência urbana, que atinge níveis críticos em alguns países, faz com que famílias inteiras busquem refúgio em locais onde se sintam mais seguras. Sabemos bem desse tema como brasileiros, não é mesmo?
Qualidade de vida e estrutura social
Sistema de saúde e bem-estar. Países com sistemas públicos de saúde robustos (como Canadá, Alemanha e Reino Unido) atraem migrantes que buscam acesso mais eficiente a serviços médicos. Educação para filhos também conta.
Baixa mobilidade social. Em alguns países, o esforço individual não se traduz em progresso real. A promessa de meritocracia e ascensão social em outros países faz com que muitos migrem para tentar melhorar sua condição material de vida.
A migração como resposta às mudanças climáticas
Embora não tão comuns no passado, mas cada vez mais em pauta no presente, os desastres naturais e a degradação ambiental entram na equação. Enchentes, secas, queimadas e a desertificação de terras produtivas levam populações a buscar melhores condições de vida em outros lugares. Como lidar com temperaturas extremas?
O que nos leva a escolher viver em uma terra estrangeira?
Textos ótimos que fizeram sentido pra mim…
‘a gente se aperta, se dobra, se acostuma com o incômodo, só para não ter que encarar o vazio do cabide enquanto a nova roupa ainda não chegou.’ - mudar é desconfortável, mas não mudar é insuportável”, por Tatiane.
‘Às vezes, enquanto Amélia sonhava com as estrelas e planetas distantes, Zeina sonhava em voltar pra casa, sentir os cheiros dos temperos das comidas da sua gente. Mas ela sabia que essa casa não existia mais. Mesmo se voltasse, se reconstruísse tudo do jeitinho como era antes, não seria a mesma coisa. Ela não era mais a mesma. A terra não era mais a mesma, e as pessoas que importavam já haviam partido de um jeito ou de outro. A única opção era construir a vida onde era possível, mesmo sendo claramente estrangeira. Anos e anos praticando a língua, mas o sotaque nunca havia abandonado sua pronúncia. Anos e anos vivendo ali, mas de vez em quando alguém fazia uma referência a alguém ou alguma coisa que Zeina não conhecia. Comida não faltava, mas de vez em quando alguém ainda olhava de esgueira, porque sabiam tanto quanto ela que seu lugar era outro’. - Raízes, por Erika Jurdi
Abraços e até a próxima!